29 de junho de 2007

Três Tempos

Belo Horizonte - dois palitos.



Sinal vermelho. Fila de carros. Pedestres pra lá e pra cá. "Bom dia"! Um grito brota no cinza, espicha, dribla carros e o caos, invade pela fresta as janelas automobilísticas e parece contagiar alguns motoristas que, se não esboçam um sorriso, parecem se desplugar da correria do dia-a-dia ao verem uma bola verde caminhando pelo corpo de um palhaço. Primeiro na testa. Depois na bochecha. Escorrega pelas mãos e pára. Está no peito do rapaz.

É bem verdade que está para nascer o motorista que goste de um engarrafamento daqueles, em plena quinta-feira, 12h, de sol a pino e ardendo na pele e sinal fechado, não é? Bem, os motoristas que descem a rua Gonçalves Dias e cortam a Bias Fortes rumo à praça da Assembléia, logo a baixo do cinema Belas Artes, aqui em BH, também não morrem de amores pelo trânsito intenso. Mas, com certeza, os minutos neste sinal voam.



O dono da frase é o palhaço Merrel, que ganha vida ali, numa espécie de escritório improvisado, no meio da rua, ou melhor, na faixa de pedestres. Merrel vive dos malabares. Ele e sua esposa, Ingridi. O cara sabe o tempo correto dos sinais, o nome dos garis que trabalham na região, já trabalhou em circo e rodou o País fazendo a sua arte.

Sinal Amarelo. Merrel faz a última loucura com sua esfera colorida. Agradece. Estica o pescoço. Apóia uma das mãos à testa, fazendo sombra aos olhos arregalados, e sai entre os carros. Quem sabe ganha um trocado. Na verdade, qualquer coisa vale. Até cesta básica ele diz já ter ganhado no sinal. Mas pagamento de verdade para ele é a afinidade que acaba criando com as pessoas que passam por lá rodos os dias.

Sinal verde. Com um sorriso no rosto e ainda com a bola inquieta nas mãos, ele vem para um bate-papo rápido; dois palitos. Um lá e outro cá. "Minha esposa, Ingridi, também trabalha comigo. Hoje ela não veio, pois fez uma tatuagem recentemente e não é bom ficar no sol, né?", responde. Há quatro anos ele pratica malabares. No início ele apenas produzia os objetos, depois descobriu que tinha jeito para coisa e também resolveu tentar a sorte nos sinais. "Acaba que as pessoas nos vêem aqui e nos chamam para fazer eventos, festas de aniversários e shows", conta o inquieto palhaço.



Enquanto Merrel monta em um monociclo e sai pedalando como bêbado, Alvinho chega para participar da conversa também. É mais um que ganha o dia-a-dia nas ruas com alegria. Pai de Gabriel, de 2 anos, Alvinho, que é ex-metalúrgico, conta que gosta do que faz. "Não largo isso aqui por nada", afirma. O cara é quase um circo ambulante. No dia da entrevista, ele manuseava no sinal um Diabolô, mas não pára por aí, ele tem habilidade com outros objetos circenses como o Devilstik, Aro Clave, e por ai vai. "Mano, faço até Ilusionismo", vai dizendo com um sorriso no rosto e os olhos atentos à sinaleira.



Uma espiada no relógio e quem chega com Merrel é Martin, o hermano uruguaio. Ele já chega mandando um "como no!" e, entre risos e outras palavras próprias de seu portuñol, nos cumprimenta e dá um abraço em Alvinho. Há um ano ele não aparece no Uruguai. Há cinco saiu de seu país e ganhou o mundo. "Yo vim do Rio de Janeiro ontem y...". Uma buzina interrompe a frase. "Caralho! Presta atenção!", uma mulher grita de dentro de um carro importando. Martin solta uma gargalhada e diz: "Mi gusta mucho las mujeres bravas! Ellas tienen personalidad".



Sinal Vermelho. Não há mais tempo. A conversa pára. E eles voltam para o sinal. E eu sigo meu caminho para a redação.

As fotos são de um cara que veio lá dO Oriente Médio, o Sam.