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23 de setembro de 2009

Honduras: A crise é boa, para expor nossos "democratas"

Manaus - Publicado no site Vi o mundo.



Existem pontos positivos na cobertura que a mídia brasileira faz dos acontecimentos em Honduras. O primeiro deles é revelar a completa ignorância de muitos sobre a América Latina. O segundo é de iluminar o caráter "democrático" de alguns jornalistas e políticos.
Tive o prazer de conhecer alguma coisa da América Central. Já estive no Panamá, na Costa Rica, em El Salvador e em Honduras.

Em Honduras fiz reportagens sobre a "guerra do futebol" e sobre a epidemia de AIDS. Fui a Tegucigalpa e a San Pedro Sula. Viajei pelo interior. Os militares sempre tiveram papel central na política hondurenha. Promoveram uma política de extermínio contra os "campesinos", quando estes aderiram aos movimentos populares que em países vizinhos resultaram em guerras civis (El Salvador e Nicarágua).

Como em outros países da região, os anos 70 e 80 em Honduras foram marcados por rápida urbanização e por uma explosão das demandas sociais. A imigração para os Estados Unidos funcionou como válvula de escape. Depois que os Estados Unidos, no governo Reagan, deram forte apoio às elites locais na suposta luta anticomunista -- na verdade, para esmagar movimentos populares --, Washington resolveu adotar uma política regional de pacificação econômica.

Os americanos promoveram uma área de livre comércio regional. As maquilas se disseminaram. São as "maquiladoras", ou maquiadoras, empresas que tiram proveito da área de livre comércio para montar produtos que recebem vantagem tarifária para ingressar no mercado dos Estados Unidos. Os capitais vieram da Ásia, especialmente de Taiwan e da Coréia do Sul. Qual é o papel dos centro-americanos nessa história? O de mão-de-obra barata. Qual é o papel das elites locais? Além de se associar ao capital estrangeiro para enriquecer, cabe a elas garantir que os trabalhadores não se sindicalizem e não obtenham conquistas sociais. As condições de trabalho nas maquiladoras são pré-revolução industrial.

A equação era essa: os homens imigravam para os Estados Unidos para fazer o papel de derrubar o salário dos trabalhadores americanos. As mulheres serviam às maquiladoras em condições sub-humanas.

Porém, com a crise econômica nos Estados Unidos, esse modelo ruiu. Muitos pais de família hondurenhos perderam o emprego nos Estados Unidos. A caça aos imigrantes promovida pelos republicanos também os afetou. Nas economias dependentes de remessa de dólares a crise se aprofundou. Manuel Zelaya abandonou antigos aliados em nome de romper com esse modelo, no qual Honduras entra apenas com o trabalho servil de seus homens e mulheres.

Portanto, não se trata apenas de dizer que Manuel Zelaya é o presidente constitucional de Honduras, eleito pela maioria dos eleitores e que o governo golpista é ilegítimo e ilegal. É importante expor claramente quem são os golpistas, a quem servem: àqueles que querem manter os hondurenhos numa servidão pré-Getúlio Vargas. Só assim para expor a elite brasileira da maneira como ela precisa ser exposta: como representação verde-amarela de interesses parecidos com aqueles representados pelos afrikâners, que inventaram um sistema sofisticado para fazer o mesmo que a elite hondurenha faz: manter parte da população -- no caso da África do Sul, os negros; no caso de Honduras, os "campesinos" -- na servidão.

O Brasil e a crise política em Honduras

Manaus - O Brasil vive um momento de respeitabilidade internacional sem precedentes e que tem contribuído para sedimentar novos consensos junto a organismos internacionais.

Diante da imprevisibilidade com que atuam os golpistas em Honduras, a gestão da crise dependerá fundamentalmente da perícia diplomática brasileira e do cuidado técnico em não contribuir para o aprofundamento da violência militar. O artigo é de Carol Proner.




A atual crise vivida por Honduras constitui um caso importante a ser estudado pelo direito internacional do nosso país. Primeiro porque se trata de um conflito que repercute mundialmente e que implica de modo amplo a América Latina e particular o Brasil. Também porque a análise requer a ponderação de diversos aspectos que incluem a legalidade do governo hondurenho e a aplicação de medidas e normas por uma autoridade que não é reconhecida internacionalmente como legítima e, ao mesmo tempo, um amplo espectro geopolítico que vem determinando as ações adotadas por outros países.

O Brasil atualmente está no centro da crise por haver recebido José Manuel Zelaya Rosales em sua Embaixada na condição de convidado por ser o presidente legítimo de Honduras. Zelaya não foi recebido na condição de asilado político, mas de Presidente legítimo. Essa condição de autoridade constitucional já havia sido confirmada por outros 192 países nas Nações Unidas que, por unanimidade, votaram uma resolução de repúdio ao Golpe de Estado exigindo a restauração imediata e incondicional do Presidente Zelaya. No âmbito interamericano a decisão unânime foi no sentido da suspensão de Honduras da Organização dos Estados Americanos com base na ruptura da ordem democrática e no fracasso de iniciativas diplomáticas (Carta Democrática Interamericana).

Outros Estados também adotaram medidas concretas como forma de pressionar o governo golpista a restabelecer a legitimidade. A Comissão Européia anunciou o congelamento de um fundo de ajuda orçamentária ao governo de Honduras e, após haver chamado para consultas todos os embaixadores de seus países-membros com representatividade no país, ratificou a suspensão das negociações de um acordo comercial com os países da América Central até que o presidente deposto retorne ao poder. França, Espanha e Itália tomaram medidas de repúdio ao golpe e o embaixador da Alemanha deixou o país.

A Espanha comunicou a expulsão do embaixador hondurenho em Madri depois de sua destituição pelo presidente Zelaya e destacando ser um ato de coerência com o compromisso da comunidade internacional de manter a interlocução oficial com o governo constitucional de Honduras.

O Departamento de Estado norte-americano, embora pressionado por setores ultraconservadores, anunciou a suspensão da concessão de vistos não emergenciais a cidadãos hondurenhos e planejam cortar mais US$ 25 milhões em assistência caso Zelaya não seja restituído à Presidência.

O caso de Honduras já seria interessante pelo ineditismo de canalizar o amplo repúdio da comunidade internacional a golpes militares e a interrupções bruscas e ditatoriais da normalidade democrática. Mas outros elementos o fazem especialmente chamativo, como o posicionamento do Departamento de Estado norte-americano até o momento e a expectativa pelos gestos futuros, a mudança de postura da OEA que também responde a uma renovação trazida pelo governo de Obama e a coordenação latino-americana em torno de causas comuns.

O Brasil vive um momento de respeitabilidade internacional sem precedentes e que tem contribuído para sedimentar novos consensos junto a organismos internacionais, mas diante da imprevisibilidade com que atuam os golpistas, a gestão da crise dependerá fundamentalmente da perícia diplomática brasileira e do cuidado técnico em não contribuir para o aprofundamento da violência militar. Não há razões para suspeitar que o Itamaraty seja incapaz de enfrentar o ineditismo desse desafio, apesar da resposta covarde dos golpistas e dos saudosistas de regimes militares. Estes não apenas em Honduras.

(*) Carol Proner é doutora em Direito, Professora de Direito Internacional da UniBrasil e Pesquisadora da l'École des hautes études en sciences sociales em Paris, Professora do Programa de Direitos Humanos e Desenvolvimento da Universidade Pablo de Olavide, Sevilha. carolproner@uol.com.br. 

Agência Carta Maior