29 de dezembro de 2005

Um adeus, doloroso e inesperado!

Edgar Borges Ferreira


“ - Taffarel!
- Já vou indo, vô!”
Era assim que chamava pelo meu neto Sandro Borges toda vez que necessitava de sua presença para que me ajudasse em alguma ocupação.
Meu neto se foi dolorosa e inesperadamente, no desabrochar da vida, com apenas 16 anos de idade. Foi ceifado pela fatalidade, através de uma já célebre chamada “bala perdida”.
Não sei até agora o nome do policial que disparou sua arma para ferir de morte meu neto quando ele se divertia com seus amiguinhos, que o chamavam de “Ômega Bad”, em um estabelecimento conceituado e conhecido da cidade.
Por intermédio da imprensa tenho conhecimento de que as autoridades farão a devida justiça e que o culpado ou os culpados serão severamente julgados e punidos.
Punido o culpado já está, mas pela Justiça Divina. Sim, acredito que o policial criminoso, cujo crime é qualificado de culposo, certamente vem sentindo remorso pelo ato que cometeu, tormento que o acompanhará por toda a vida!
Meu conforto, meu alívio, é saber que Sandro Borges obedeceu ao chamamento de Deus e se encontra no céu rogando por nós aqui na terra.
Agora é ele que chama por mim: “Vôôô, vem aqui”. E eu respondo: “Dá um tempo, filho. Em breve estarei aí, para te abraçar e matar as saudades.”

Delegado aposentado de polícia, avô de Sandro Borges, morto em 28 de novembro durante uma ação da Força Tática da PM.

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Os efeitos de uma bala perdida

Gracineide Borges


Policial da Força Tática,
No último dia 28 completou um mês que a bala disparada por você matou o jovem Sandro Borges, chamado pelos amigos de Ômega.
Você já imaginou o sofrimento dos pais e familiares de Sandro? As noites mal dormidas que passamos nestes dias? As lágrimas de sofrimento derramadas por seus avós durante este mês?
Naquela noite fatídica, Sandro abraçou e beijou seu vozinho, era assim como carinhosamente chamava seu avô, prometendo que logo voltaria, pois no outro dia iram juntos comprar um sonhado computador. Mas ele não voltou. Sabe por quê? Porque sua bala não deixou!
O computador chegou, mas Sandro não o usou. O aniversário de 17 anos passou no dia 18 de dezembro, mas ele não festejou. Você sabe por quê? Porque sua bala o matou.
Eu sei que a culpa não é só sua. O Estado também é culpado, pois gastou uma bolada de dinheiro, aliás, nosso dinheiro, para preparar policiais. E o que temos? Um grupo de homens deslumbrados por estar usando um uniforme e carregando uma arma na cintura.
São policiais que batem até matar – caso Robson Magalhães – e atiram sem piedade – caso Jailson Figueiredo da Costa – deixando paraplégicos no meio do caminho – caso Ronaldo Melo Carvalho. Quantos outros casos não foram noticiados pela mídia sobre essa polícia que ao invés de proteger e servir, atemoriza, acossa, bate e mata?
Você sabe o que nos dá força para suportar a ausência de Sandro Borges? Saber que nós não veremos mais, mas ele será lembrado como um menino alegre, brincalhão e amigo, um menino que plantou a semente do bem.
Quanto a você, será sempre visto e lembrado como o policial que matou o Ômega, como um exemplo da polícia despreparada que temos em Roraima.

Tia de Sandro Borges, morto por uma bala perdida disparada por um policial na madrugada do dia 28 de novembro de 2005.

27 de dezembro de 2005

Cenas de Natal

Boa Vista - Para o dia 25, o governo estadual prometeu fazer a distribuição de brinquedos para as crianças de famílias carentes. Anunciou isso nas TVs, rádios, jornais e em carros nas ruas.Os portões do estádio Flamarion Vasconcelos seriam fechados às 8h30, mas desde as 5h30 haveria ônibus rodando pela cidade, catando aqueles que encarassem a fila.

Às 4h30, retornando de uma madrugada de conversa, vinho, água e churrasco na fazenda urbana de Nei Costa, Zanny e eu vimos que já havia fila para receber os mimos do governo.
O governador Ottomar Pinto, que tem o costume de distribuir pintos, biquínis, peixe, iogurte, material de construção e terrenos, chegou às dez horas para fazer a distribuição.

Ao meio-dia, sob o sol forte de um dia de Roraima (só quem esteve aqui, sabe o que isso significa em termos de temperatura e ardência na pele), centenas de pessoas esperavam em frente ao estádio a chance de pegar um ônibus que as levassem de volta aos seus bairros. Aproveitavam a sombra de pequenas árvores para refugiar-se. Sob suas cabeças, as redes serviam de chapéus.

Quando chegava um ônibus, lá estavam crianças e adultos, carregando brinquedos e redes de dormir, empurrando-se para garantir um lugar e o retorno às suas casas.Na minha cabeça, algo semelhante às cenas de retirantes e vítimas de guerras.

Às 16h, ainda havia pessoas esperando que os ônibus e vans alugadas pelo populista governo roraimense os levassem de volta aos seus bairros.Mas é claro que também estavam lá famílias de renda maior que a maioria, com seus carros e roupas mais caras, apenas pela mesquinhez de receber algo supostamente dado de graça.

26 de dezembro de 2005

Da imobilidade

São Paulo - Chegar em São Paulo em dia de rodízio no trânsito e encarar obras do metrô em pontos estratégicos da cidade podem tirar-lhe o humor. Mas se o rodízio foi suspenso e as placas alaranjadas foram bem afixadas, tudo bem. Avenida Paulista. Como pode ser tão bela e maçante?

13 de dezembro de 2005

Outra visão

Boa Vista - Em Roraima acontecem coisas que só mesmo as cabeças mais pensantes explicam. Inversões de valores, quebras de regras (nem todas importantes ou fundamentais) e a prática de uma forma de lavagem na mente das pessoas que, muitas vezes, as deixam sem condições psicológicas para analisar com insenção determinados fatos.

Para exemplificar o que escrevo vou dar dois exemplos de acontecimentos ocorridos e bem divulgados pela mídia local. O primeiro aconteceu há alguns meses, quando agentes da Polícia Civil resolveram acabar com uma rinha de galos numa fazenda nas proximidades de Boa Vista e prender aqueles que cometiam o crime. Os policiais chegaram, deram o flagrante e quase foram colocados dentro da rinha para serem linxados pelos participantes da brincadeira de mau gosto, onde quem sofre são os animais. Os agentes foram ameaçados e tiveram que tomar atitude dura para conter a revolta dos "membros da sociedade roraimense".

Para surpresa geral, no dia seguinte alguns veículos de comunicação colocaram os criminosos como vítimas e os policiais como agressores. A desculpa foi uma só: todos os que participavam da rinha pertenciam a famílias tradicionais e tinham total direito de fazer o que bem entendem, sem se preocupar com a lei que deve servir para todos sem distinção. O segundo exemplo é o assunto da moda em Boa Vista. Meia dúzia de políticos e grandes latifúndios esperneiam, reclamam e protestam porque o Incra está fazendo o que deveria ter sido feito há muito tempo. Pessoas que não tiveram condições de manter seus lotes (por culpa do próprio Incra) e outros que agiram de má fé, resolveram vender suas terras sem respaldo legal, porque fazia parte de um programa de reforma agrária voltado para famílias comprovadamente carentes. Resultado: a justiça tarda mais não falha. Aqueles que compraram os lotes estão sofrendo ações na Justiça pelo simples fato de terem agido de forma contrária a Lei.

Mais uma vez a mídia local sai em defesa de poucas pessoas em detrimento das milhares que continuam penando para manter suas famílias, sem apoio político e de políticos. Sem apoio do Incra, do governo, seja qual for, e da imprensa. Não é comum os jornais ou telejornais mostrarem matérias dizendo que há atrasos no pagamento de benefícios para aqueles que resolveram enfrentar o mato, os insetos e as doenças que são naturais dessas regiões. Enfim, é duro ver e engolir a elite soberana manipular fatos, criticar o certo e transformar o erro em acerto. Mas mudança pode estar bem perto de nós. Esse é um exemplo.

8 de dezembro de 2005

25 anos depois

Boa Vista - Tudo estava pronto para uma viagem a Minas Gerais, dois anos depois da última. O dia era 8 de dezembro. A passagem de ônibus estava marcada para o dia seguinte. Fui para a casa da minha irmã naquela noite para gravar algumas fitas cassetes com músicas de Pink Floyd, Led Zeppelin, Neil Young, Deep Purple, Janis Joplin, Jimi Hendrix e, claro, Beatles, Jonh Lennon e George Harrison.

No início da noite fumei um e em seguida me deparei com aquele gradiente possante. Fiz a seleção, peguei umas fitas virgens e me preparei para escolher a trilha sonora da viagem. Estava empolgado com o cabeça de nego que conseguira. Já estava viajando. O som rolava no aparelho, enquanto a mana, o cunhado e a sobrinha dormiam. Não me lembro o nome do bairro. Acho que era jardim Campina. Era uma casa espaçosa, quintal grande com algumas plantas. Nada de anormal para a zona extremo Sul de Sampa.

A empolgação batia. Depois de dois anos iria voltar à terra natal. As lembranças eram vagas, mas só a idéia de passar 12 horas viajando, ouvindo músicas, escrevendo e percebendo as paisagens era demais. Saí da sala, fumei outro e voltei. Liguei o som e pensei que deveria ter na trilha Paul Simon e Art Garfunkel. Escolhi as músicas, preparei a fita e iniciei a gravação. Pô, que chato, estou relatando o que aconteceu há 25 anos. Não importa. É a primeira vez que escrevo. Naquele tempo walkman era, diríamos, novidade. Pensei na saída de São Paulo, congestionamento, via Dutra e movimento. Darling, please don't never break my heart. Engraçado, é um trecho da música que toca na TV. Lennon regravou. É agora, momento atual, não importa mais. Para começar gravei Cecilia, em seguida The Boxer, Bridge Over Trouble Water, The Sound of Silence, America, Hey, Hey, my my, rock"in"roll...never die.

Olhei para o Revolver, emplaquei Tax Man. Queria ir de taxi até a rodoviária. Eleonor Rigby chama a atenção. Sons experimentais, viagens, emoção. Peguei Sargent Peppers e não sabia o quê escolher. Every body is got something to hide except for me and my monkey. Quanta coisa boa no Branco. God, oh meu Deus. Só tenho três fitas. Imagine se pudesse mais? Não havia fronteiras para meu gosto musical. Mutantes, O Terço, Walter Franco, enfim, muito mais. What is life, If not for you, My sweet lord, com uma pequena ajuda dos amigos, como? Machine Head, Whola lotta love, Starway to heaven, Eric Clapton e Jeff Beck, Prisma, Smoke on the water.

Nossa como gravar tudo em três fitas? O tempo passou e as fitas acabaram-se. Guardei os discos, liguei o rádio e para minha surpresa, She loves you. Logo depois Help, Yesterday, Don't let me down, The ballad of John and Yoko, Imagine, Starting Over, Beautifull boy, A day in the life, God. Olhei para o relógio acima da TV e pensei: será que vou acordar às 7 horas? Aumentei o volume do som e ouvi Yer Blues. Não acreditei. Mudei a sintonia e ouvi Woman. Lennon acabara de lançar Double Fantasy. Passei a madrugada ligado no rádio, ligado. Estranhei todas as emissoras tocar Beatles e Lennon ao mesmo tempo. Mais uma vez não importa, é bom! A música parou. Um locutor com voz fúnebre narrou: "era 22 e 48 em Nova York quando Mark David Chapman, em frente ao edifício Dakota, disparou cinco tiros no ex-beatle Jonh Lennon que morreu minutos depois no hospital Roosevelt. É com tristeza que anuncio. Lennon foi assassinado na noite passada em Nova York." O resto...pra quê?